segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Dona Celestina Novaes dos Santos Antunes

Em Grandes Vultos de Cruzeiro...







          Celestina Novaes dos Santos Antunes(DONA TITA)





Recordações de Uma Amizade

(na ótica do Engenheiro José sebastião Penido




Em alguma noite do mês de setembro de 1957, encontrei-me pela primeira vez com Dona Tita. Fui a sua casa para uma visita, em companhia de um casal amigo. Ao chegarmos, ela estava na sala nobre da fazenda a tocar piano. Disse-nos que, naquela noite, por estar se sentindo nostálgica, mergulhara no passado, através do piano, coisa que já algum tempo não fazia.

Encontramo-nos outras vezes. Fui convidado para uma refeição em sua casa, para outras e outras. Como morasse sozinho e com a grande afinidade surgida entre nós crescesse a cada contato, terminei por ser convidado permanente à sua mesa.  O fato de me tornar seu comensal rotineiro não diminuiu, porém, a distinção e fidalguia com que me tratava. Dava-me assento à cabeceira e preocupava-se constantemente em que eu fosse servido com o melhor.

Como nosso convívio se houvesse tornado tão freqüente, as ocasiões para conversas, para evocação de fatos passados e para confidências eram constantes. E, assim, pude ir conhecendo, sempre mais, aquela grande e especial amiga.

Por seu intermédio conheci também a seus familiares, já falecidos.

- O avô, morto quando ela contava somente cinco anos incompletos, foi figura que a marcou muito. Ela se lembrava de uma noite em que, deitada a seu lado, ele retirou do dedo um anel com brilhante e colocou-o no dedão do pé dela dizendo-lhe.

--- “Toma pequetita, isso é para você”.

Esse anel, que recebeu mais tarde outro engastamento, nunca mais saia de seu dedo anular e a quantos elogiavam o fulgor da pedra, dizia orgulhosa.
 --- “Foi de meu avô”.

Contou-me da forte ligação do major Manuel de Freitas Novaes com a família imperial. De sua mágoa com o banimento do velho imperador. Da visita que lhe fizera na Europa, no curto período em que D. Pedro II sobreviveu à perda do trono.

De tanta coisa relatada a respeito dele, vale lembrar o fato que, antes mesmo do inicio oficial de Cruzeiro como cidade, o Major Novaes, antecipando a desapropriação que seria inevitável, fez doação ao nascente município, dos terrenos de sua futura área central. Junto ao documento de concessão seguiu um esboço da planta da cidade, em que as ruas levavam os nomes da família imperial em peso. Escusado dizer que a oferta foi recusada e que houve necessidade de posterior desapropriação. Como indenização pela perda, foi feito pela Prefeitura um depósito de trinta contos de réis, que o Major nunca quis receber. Dona Tita acompanhou o assunto até se assegurar de que a verba do governo, posta à disposição da família, tinha caducado.


Foto da menina Celestina com seu padrinho Padre Ernesto M. de Fina   

A mãe de Dona Tita, Dona Rosalina Novaes dos Santos, era filha do Major Novaes, que teve três filhos, Rosalina era a única mulher. Criada com mimos e com muita abastança tinha temperamento forte, habituada a mandar e ser obedecida. O próprio Major Novaes se curvava aos seus caprichos e vontades.

O pai, Dr. Antônio Celestino dos Santos era um médico baiano. Sua mãe era aparentada do Barão de Rio Branco, José Maria Paranhos. Conheceu na corte Dona Rosalina. Casando-se com ela manteve a deputância, que mais tarde abandonou, por imposição da esposa. Ao contrário desta, era manso e cordato.

O casal teve três filhos, mediando um tempo de cerca de dez anos entre cada nascimento.

A mais velha, Dona Fortunata Novaes dos Santos, na intimidade “Bem”, foi uma linda moça. Afilhada do Conde D’Eu e da Princesa Isabel, privou do convívio dos príncipes imperiais na corte, ou aqui na fazenda Boa Vista, onde se hospedaram algumas vezes. Casou-se aos quinze anos. Aos dezesseis faleceu de parto e com ela morreu também o nascituro. Seu pai que acompanhou o infausto nascimento não clinicou mais, desde então.

O irmão mais novo, Antônio Celestino Novaes dos Santos, foi como quase todo caçula, mimado e cheio de vontades. Perdeu os pais cedo e, após suas mortes, ficou sob a tutela do vigário de Cruzeiro, Pe. Ernesto Maria de Fina. Nunca deu valor aos bens materiais, tendo dispendido tudo que herdou nos quase quarenta anos de sua existência. Ao morrer, deixou seis filhos.

Dona Tita, Celestina Novaes dos santos foi a filha do meio de Dr. Celestino e Dona Rosalina. Nasceu em Cruzeiro aos 29 de Outubro de 1893. Por ser menos bonita que a irmã mais velha, sua mãe que não escondia as preferências pela primogênita, dizia-lhe às vezes.

--- “ Ih Lili, você é feia!”

O pai que lhe era muito chegado, a consolava, porém, dizendo-lhe que era bonita por fora e por dentro.

Cursou o primário no colégio Bom Conselho, em Taubaté. Para ficar mais perto de casa, transferiu-se, então, para a Escola Normal de Guaratinguetá, onde estudou em reginem de externato, morando como pensionista em residência familiar. Já nos últimos anos dos estudos, conheceu o professor Virgílio Antunes de Oliveira e começaram a namorar. Sua mãe ao saber isso, não concordou e providenciou a transferência da filha para a Escola Normal de São Paulo, onde se formou Professora. Pretendia com isso afasta-la do namorado e dar-lhe oportunidade para conhecer um pretendente à sua altura, como costuma dizer. A oposição da mãe reforçou sua obstinação e o que poderia ter sido apenas um namoro, firmou-se e fortificou-se com a desaprovação materna e com as bênçãos do pai que, sendo semi-inválido e a essa época, era a segunda autoridade na família, casou-se com o professor Virgilio, em 21 de Dezembro de 1915, na cidade de Aparecida do Norte. Viajou de trem, no mesmo dia, para a lua de mel em São Lourenço. Ao fazer baldeação em Cruzeiro, observou que todas as janelas da fachada da fazenda estavam fechadas, como sinal de pesar pelo enlace.

Ao segundo dia da estada em São Lourenço, recebeu telegrama com os seguintes dizeres:

---“Seu pai mal, venha urgente. Sozinha. Rosalina”.

Leu o telegrama, rasgou-o sem mostrar ao marido e regressaram juntos. Passando pela mãe, ao entrar em casa, ouviu-a dizer entre dentes:

--- “ Eu disse sozinha”.
Ao que retrucou, também entre dentes: 

-- “Hoje sou casada. Ou os dois, ou nenhum “. E ficaram...

O convívio entre sogra e genro foi de pouco tempo. Alguns meses depois, Dona Rosalina caiu enferma, com câncer no fígado. Antes de ser removida para São Paulo, onde veio a falecer, deu o braço a torcer em relação ao casamento da filha - o que era raro – e chegou a lhe dizer. 

---“Você sabia a pérola que procurava...”

Dr. Celestino pouco sobreviveu à esposa, falecendo em seguida, cercado dos filhos e do genro.

Dona Tita, grávida do primeiro e único filho viu partirem em pouco tempo seus pais. A idéia da próxima chegada do filho a consolava e ajudava. Seu ser voltado para a maternidade, aspirava por sua plena realização na chegada do pequeno ser, tão ansiosamente esperado. O menino José Geraldo sobreviveu poucas horas a um parto muito difícil, para grande tristeza de seus pais.

Um ano depois, uma complicação ginecológica resultou na necessidade de delicada operação e trouxe para o casal a impossibilidade de geração de novos filhos.

O que a natureza lhes vedara de uma forma, eles obtiveram de outra. Abriram o coração e a casa a muitas outras crianças que criaram como filhos. Mary e Célio, em primeiro lugar, e depois seis sobrinhos, filhos de seu irmão Antônio Ivete, Antônio Filho, Ivan, Tereza, Aparecida e Sônia Celestina. Sem caráter de adoção recebeu mais tarde em sua casa o menino Arnaldo, e o criou, formando-o e encaminhando-o na vida.

Através do “Dispensário Infantil Capitão  Novaes”, criado em agosto de 1933; do “Posto de Puericultura Dr. Teodoro Quartim Barbosa”, de 1946, e da Creche Dona Tita”, de 1951, todos nascidos de sua iniciativa, centenas e centenas de pequenos cruzeirenses receberam carinho, cuidados médicos e alimentação no decorrer dos últimos sessenta anos.

Em vez de inutilmente lamentar a impossibilidade física de ser mãe, Dona Tita se empenhou, se dedicou, foi fonte de benesses e de vida para um sem número de crianças.

A vida do casal Virgilio/Tita, transcorreu toda em Cruzeiro. Nesta cidade batalharam, ajudaram, construíram, animaram e estiveram realmente presentes nos campos social, cultural, político e religioso.

A Santa Casa de Misericórdia, O Instituto Nossa Senhora Auxiliadora e Oratório Festivo Dom Bosco, O Cruzeiro Futebol Clube, Igrejas e tantas outras entidades cívicas da cidade tiveram a possibilidade física de existir, graças à doação de terreno, seja da parte de Dona Tita, seja pessoalmente por ela e pelo esposo.

Na política, o Professor Virgilio foi Prefeito Municipal e Presidente da Câmara de Vereadores. Dona Tita foi vereadora e candidata a Vice-Prefeita compondo a chapa do saudoso Dr. Nesralla Rubez.

No campo social ajudaram a fundar e participaram da Diretoria do Cruzeiro Futebol Clube incentivando  e até sustentando o time de futebol que, ficou famoso na região do Vale.

Afastando-se da direção desse clube, fundaram em 1933 a Associação Cívica Feminina com finalidades sociais e assistenciais. A essa entidade dedicaram-se com todo empenho. Ela veio a constituir-se em ponto de encontro da melhor sociedade de Cruzeiro, sendo famosos os bailes de debutantes e de “Rainha da Primavera”, realizados no mês de setembro de cada ano.

A residência do casal Santos Antunes sempre foi proverbialmente acolhedora e hospitaleira. Dona Tita era por excelência a anfitriã, eximia na arte de bem receber. Em sua espaçosa sala de visitas, praticava com atenção e solicitude as artes, hoje quase esquecidas, de conversar e de ouvir. Um único assunto era proibido em sua casa – falar mal de seus amigos, já que, em sua lealdade, ela não permitia a esses nenhum reparo. Todo dia 26 de junho recebia na fazenda para a afamada festa de São de João. Havia baile na sala e no porão e cateretê no pátio. O poeta lavrinhense Vasco de Castro Lima, evocando as saudades de Cruzeiro, se refere a essas festas inesquecíveis.

“Cruzeiro das tertúlias literárias
das serestas de noites legendárias,
quando a lua chegava mais bonita...
dos primórdios da Rádio Mantiqueira
dos tempos bons da Rede Sul Mineira
das festas de São João, na Dona Tita.”


Em junho de 1949, faleceu o prof. Virgílio. Dona Tita, abatida pela dor, quis recolher-se à tristeza de sua viuvez. Mas as necessidades de suas entidades sociais e os duros embates das lutas políticas, que ferviam na Cruzeiro daquela época, não lho permitiram. Sua posição de cidadã falou mais alto e ela continuou no afã de prover recursos ao “Dispensário” e ao “Posto de Puericultura” e era presença constante nas reuniões da “Câmara dos Vereadores”, onde o balanço de forças entre adversários não permitia a falta de um edil sequer.

Aceitou compor a chapa com o Dr. Nesralla Rubez, na posição de Vice-Prefeita e não conseguiu ser eleita.

Algum tempo depois, quando Jânio Quadros venceu Adhemar de Barros no Estado de São Paulo,a situação política em Cruzeiro ferveu e os eleitores da chapa vencedora resolveram comemorar a vitória na casa dos adversários, incluindo a casa de Dona Tita.  Esta, tranqüila e corajosa, enfrentou aos que queriam transpor o portão.

--- Eu atiro bem, todos sabem. Podem entrar, mas os primeiros vão levar bala!

Ninguém ousou entrar.

Quando conheci Dona Tita, tudo isso já era passado. Sua casa, ainda bastante frequentada, não tinha mais o movimento de outrora.

Via-a com muita freqüência. Acompanhei-lhe as doenças. Era um interlocutor atencioso. Ouvia muito, perguntava pouco. Fui testemunha de um problema sério de saúde ocorrido em final de 1969. Aos males físicos se juntava a preocupação de não querer deixar para seus herdeiros o ônus pesado da manutenção do solar. Optou por aceitar o tombamento e uma pessoa amiga conseguiu que esse tornasse realidade. Feito esse tombamento, foi-lhe bastante difícil aceitar a idéia de deixar aquela casa tão querida e tão cheia de recordações. Isso foi processo de meses, enquanto se construía a nova residência, mais confortável, para a qual enfim mudou. 

Nunca mais voltou ao solar dos Novaes. Cheguei a surpreendê-la a olha-lo de longe com os olhos marejados...

A nova casa era frequentada pelos familiares. A maior parte desses se havia mudado de Cruzeiro e se revesava nas visitas e nos cuidados à Dona Tita. Tereza a filha que ficara morando perto, quase vizinha, estava sempre presente e a ajudava com carinho e desvelo nas necessidades do dia a dia e nas doenças. Os amigos eram, porém, cada vez menos freqüentes. Um dia, quando fui levar a comunhão semanal, encontrei-a na rede, a cismar, sozinha. Olhou-me pensativa e disse-me:

---“Ah! Penido, de tantos amigos, você foi dos poucos que restou”

Adoeceu gravemente em agosto de 1976. teve que ser removida para a Santa Casa local, onde cercada do carinho dos filhos e dos amigos, confortada com assistência médica e espiritual, veio a falecer em 28 de Setembro de 1976, com quase 83 anos.


Cruzeiro pranteou-a e velou-a na sede da Câmara Municipal. Grande multidão acompanhou-a ao cemitério local, onde seus restos mortais se uniram aos de tantos antepassados que a ela saudosamente havia cultuado em vida.


              Quando eu era mais novo e saia para entrevistar os mais velhos da cidade, fui um dia até a residencia do Engenheiro Penido, e dele recebi esta beleza de descrição histórica, que ele tinha feito. E hoje, eu tenho a honra de postá-la em minha galeria de "Grandes Vultos de Cruzeiro". Espero que os escritores mais novos sigam este meu pequeno exemplo... Cruzeiro tem muitas histórias para serem contadas... basta somente saírem a campo, que elas aparecem. Não podemos nos furtar de conhecê-las, e muito menos deixar que elas se apaguem.



sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Padre Ernesto Maria de Fina

Em Grandes Vultos de Cruzeiro...

Foto do Padre e a garota Tita,


Pe. Ernesto Maria de Fina






Nasceu em 30/11/1867, na cidade Sala consolina-Salermo, Itália. Filho do casal José Abbamonte e Jesualda Abbamonte, foi batizado nesta mesma cidade.

Ordenou-se em 1891, e foi mandado para a cidade de Ribeirão Preto, como coadjutor. Em 1897 foi designado para receber sua primeira paróquia na cidade do Embaú.
Segundo Hilton Federice: “No inicio, como é fácil compreender, toda atividade dirigente e evangelizadora da Igreja Católica tinha que partir do Embaú, onde os senhores vigários tinham sede, residência e um templo. Nada disso ocorria no Povoado da Estação, onde a mais sensível das lacunas, era a ausência de uma verdadeira igreja.”

Antes mesmo da chegada do Padre Fina ao Embaú, já existia dois movimentos distintos em curso: o primeiro, era que o Povoado da Estação já reclamava há muito, a transferência da sede municipal, para suas hostes (o que, contrariava em muito aos embauenses); o segundo, era o desejo, já manifestado, do próprio Bispo de São Paulo, Dom Arcoverde, em transferir a paróquia para o Povoado da Estação, independentemente desse ser cidade ou não, pois o pároco era muito mais solicitado pela população do Povoado do que pelos embauenses, uma vez que a sua população já era bem maior do que a da sede.
É neste cenário complicado, que o ainda jovem padre italiano, chega ao Embaú. E não demorou muito para que ele percebesse que a tão propalada transferência, era mesmo inevitável, e a executou.

Se para a população do Povoado da Estação esta transferência foi benéfica, para o padre foi ela simplesmente terrível. Houve um desgaste muito grande. A população do Embaú chegou a maltratar o presbítero toda vez que ele tinha que ir ao Embaú. O desgaste chegou a tal ponto, que o padre teve que ficar morando no próprio Povoado. E como este, ainda não tinha sua casa paroquial, o Major Novaes teve que sair em defesa do Padre hospedando-o na fazenda Boa Vista.

Este fato em si, certamente não foi o estopim que culminou com a emancipação do Povoado da Estação, mas sem dúvida alguma,  temos que creditar a ele, o mérito de ter incentivado, e muito, os políticos da época, para tornar a emancipação uma realidade.

Padre Fina, totalmente desgastado, pediu transferência para uma outra cidade. E assim, no limiar do ano de 1898, é transferido para Pindamonhangaba, como padre coadjutor. Ainda neste ano foi transferido mais duas vezes: em 28 de março, para a cidade de Casa Branca e em 07 de novembro para Santos. No ano seguinte, experimentou mais duas transferências, a primeira para a cidade de Campinas, onde substituiu o padre local, que viajou para o exterior, e a segunda para a cidade de Jaú.
No inicio de 1900, em gozo de férias, vem ao Povoado da Estação para visitar alguns amigos. Influenciado por esses, pediu à Diocese que o transferisse de novo para o Povoado da Estação. O que ocorreu, em 17 de março deste mesmo ano.
Durante este período, aconteceram as mortes de  Dona Rosalina e posteriormente de seu marido o  Dr. Celestino.
Celestina (Tita) já estava casada com Virgilio Antunes e moravam na fazenda Boa Vista. Entretanto, não sei ainda por qual razão, o Padre Fina foi nomeado tutor do irmão de Celestina, o Antônio Celestino, que o criou por um bom tempo.
Em 04 de dezembro de  1919, foi novamente transferido. Desta vez a cidade de Tabapuan, foi quem o recebeu.
Em 1920 foi mandado para São Carlos, onde ficou até o ano de 1925, quando aconteceu a sua ultima transferência, e esta foi para a cidade de Mirassol.

Em sua ficha, conseguida por mim junto à Diocese de São Paulo, consta apenas uma nota fria.
“Em Mirassol, novembro-1930, foi assassinado em sua paróquia, por motivos fúteis”.
  Junto a esta ficha veio também a página de um livro, onde o autor Ariovaldo Correa, cidadão mirassolense, conta a seguinte história.

“O sacristão, que chegava à igreja, para suas ocupações diárias, surpreso, deu, no adro, com aquele ato de vandalismo. Correu à casa paroquial e chamou pelo vigário, à janela do quarto:
---- Depressa, Padre Fina. Venha depressa, que puseram fogo na cerca...

Uma voz veio logo de dentro:
---- Mas, o quê? A cerca? Queimaram a cerca?
Se o ato já se havia consumado, não adiantava nenhuma pressa. O padre, porém naquela hora, nem pensou nisso. Abalou-se da cama como um raio. Meteu a batina no corpo. Nem o rosto lavou. Saiu para a praça, a passos largos, em companhia do sacristão, ambos a falar, a falar.
O vigário,  irritadiço como era, ia a gesticular pelo caminho, em altos brados:
---- Malvados! Vão me pagar caro o desaforo.
Não havia muitos meses, o padre mandara construir a cerca. A nova Matriz estava quase pronta, mas em frente dela existia ainda a primitiva capela, erigida em 1912. A cerca atravessava o centro da praça, fechando-a desde a quina da Matriz até ao centro da igrejinha. O prefeito da época – estávamos em 1929 – o coronel Victor Cândido de Souza, quando soube que o vigário tencionava construir o tapume, procurou convence-lo da inconveniência da medida.(...)
--- Fica muito feio, Padre Fina – observou o coronel. Mirassol é uma cidade...
--- Feio ou bonito, faço a cerca. Não posso admitir que os materialistas passem em frente à igreja, que é a Casa de Deus,  para irem à casa do diabo...
Referia-se ao Cine-Teatro S. Pedro, ao lado, inaugurado no inicio daquele mesmo ano de 1929, com grande pompa. As quizilas entre o sacerdote e o empresário, Candido Estrela, sabe-se, vinham de longa data. Considerava o sacerdote que o cinema era nefasto. E o Teatro com suas bailarinas decotadas, uma imoralidade.
Quando comumente a *sereia (havia uma sereia no cinema), anunciando o inicio dos espetáculos, rugia pelos ares, repercutindo dentro do templo, à hora das rezas, o padre esbravejava do púlpito, reclamando contra aquela falta de respeito:
--- É a boca do inferno! Abriram a boca do inferno!(...)

Em certa ocasião, já inúmeras ripas haviam amanhecido quebradas. O padre mandou consertar o tapume. Não passaram muitos dias, e, agora a cerca desaparecia, inteiramente, reduzida a cinzas. Era demais! O vigário pôs a cidade em polvorosa. Em poucos minutos, pequena multidão se concentrava na praça. Mulheres que vinham da feira, homens, que iam para o trabalho, jovens normalistas, que passavam para as aulas, todos pararam, atônitos, e ali se postaram a ouvir as objurgatórias, flamantes, do vigário. O homem estava possesso. Durante o dia todo, ninguém falou noutra coisa. À noite, na reza, o vigário fez um sermão tenebroso. Antes de termina-lo, porém, recuperando a calma, declarou, amargurado, que não mais faria reconstruir a cercquinha de madeira. E com um doloroso acento na voz, entrecortada pelas emoções, disse o padre:
--- Uma cerca invisível há de continuar no mesmo lugar. Os bons católicos hão de senti-la sempre ali. E hão de respeita-la...
Já faz tempo, conversava eu com José Mardegan Neto a esse respeito. Ele disse-me:
--- Eu era coroinha. Lembro bem do episódio da cerca e daquele sermão. Um sermão impressionante. Nunca vira antes o padre Ernesto Maria de Fina to furioso.(...)”

* sereia – acredito que devia ser uma sirene


Não quero de forma alguma fazer associação de idéias, quanto ao assassinato do Padre. Apenas reescrevi esta história para dar ao leitor uma noção de como era o Padre Fina – austero, rígido e enérgico.
E tenho certeza absoluta, de que o processo de emancipação da cidade de Cruzeiro foi abreviado em muito, pela iniciativa deste padre, ao transferir a paróquia do Embaú para o Povoado da Estação.




sábado, 6 de agosto de 2016

Em Grandes Vultos de Cruzeiro - Dr, Othon Barcelos

Em Grandes Vultos de Cruzeiro...






Dr. Othon Alves Barcelos Corrêa


                          

Filho do casal Amélia e Francisco de Assis Barcellos, nasceu em Ouro Preto-MG, no dia 08/07/1901. Era o sexto filho de uma família de onze irmãos.  Formou-se Engenheiro Civil e de Minas, pela Escola de Minas, de Ouro Preto, no ano de 1926. Neste mesmo ano, mudou-se para São Paulo e foi morar por uns tempos na casa de sua irmã, Iphigênia. Chegara com um emprego assegurado, na Comissão de Obras Novas para Abastecimento de Água de São Paulo.
Um ano depois, se demitiu e foi trabalhar na Sociedade e Construtora de Santos, onde conheceu e se tornou amigo do escritor, poeta e futuro senador, Dr. Roberto Simonsen.
Em 1930, buscando sempre novos desafios, se transferiu  para a empresa Serva Ribeiro, onde começou como engenheiro-vendedor. Este emprego desencadeou nele o sonho incontido de abrir uma empresa própria, mas não possuía  capital para tornar este sonho realidade.
Insatisfeito com os rumos desse novo trabalho,  e com um pedido de aumento de salário negado, demitiu~se.
Casou-se em 1931, com Da. Santuzza Borges Barcellos Corrêa, natural de Belo Horizonte. Não tiveram filhos.
A experiência adquirida no ultimo emprego, lhe proporcionou a oportunidade que procurava para realizar o seu sonho de empresário: num domingo, ao ler o jornal pela manhã, dois anúncios lhe chamaram a atenção: Em um, uma empresa em expansão, necessitava comprar uma locomotiva a vapor. No outro, estampado no mesmo jornal, uma fazenda de bananas que estava  desativando suas linhas férreas, punha a venda suas locomotivas e seus vagões.
Othon então ligou para a segunda e perguntou o preço de venda. De posse do referido valor, agregou a ele sua margem de lucro, e ligou para a empresa compradora,  oferecendo a mesma  locomotiva. A empresa aceitou, e ele então, no dia seguinte, foi até a tal fazenda de bananas para efetuar a compra. Para seu espanto, lá chegando, ficou sabendo  que o preço pedido era para duas locomotivas, e não para uma, como havia pensado. Com o lucro da venda da primeira e mais o que  apurou com a venda da segunda locomotiva, procurou o amigo Oscar de Paula Bernardes, e junto com ele, fundou a SOTEMA.
Daí para o sucesso, foi um pulo. Fundou, a seguir, as empresas Sofunge S/A e Fabrica Nacional de Vagões S/A. Entrou como acionista da  Ren-O-Max Ind. Eletrônicas. Participou da criação das empresas: Indústria Metalúrgica Tergal S/A, Industrial e Administradora Ouro Preto S/A, Sibar Comercio, Importação e Exportação S/A, Barber-Greene do Brasil S/A, Comercial, Industrial e Administradora Vila Rica S/A e Ermeto Equipamentos Industriais LTDA.
Foi Presidente da Mercedes Benz do Brasil S/A e conselheiro das empresas: Wolkswagen do Brasil S/A., Companhia Ferro Ligas da Bahia S/A., Companhia Siderúrgica Paulista S/A,  Champion Celulose S/A, e Vice-Presidente da Belgo-Mineira (este cargo ele assumiu no dia 02/08/1966, pouco antes de morrer).  Foi também Diretor da Companhia Paulista de Mineração e da FIESP.




Fundou com muito amor e dedicação a COLSAN – Sociedade Beneficente de Coleta de Sangue e foi também Diretor da Cruz Vermelha Brasileira.
Tendo galgado as mais altas posições em sua vida  social e profissional, no entanto, conversava com todos indistintamente e tinha sempre nos lábios um sorriso ou uma palavra amiga, mesmo para o mais humilde servidor das suas empresas.
Era sempre o cérebro e o dínamo propulsor das companhias que fundava, ou de que participava.
Morreu na noite de 20 de setembro de 1966, aos 65 anos de idade, vítima de um edema pulmonar, depois de ter passado  a tarde em companhia do Ministro do Transporte, Dr Severo Gomes e de ter  participado de um jantar à noitinha, com o Presidente da Companhia Andrade Gutierrez.
A cidade de Cruzeiro reconhecendo  seus méritos, outorgou-lhe o titulo de Cidadão Cruzeirense e o homenageou, também, dando seu nome a uma rua.
Várias são as  histórias que perpetuam seu vulto, como um homem possuidor de um coração extraordinário.
Uma delas, conta que um Mestre da Oficina de Marechal Hermes, chamado José D’ambrósio, pediu para ser transferido para Cruzeiro. Como a meta da empresa era fechar a fábrica carioca, tal transferência foi-lhe dada sem maiores problemas.
Em Cruzeiro, o D’Ambrósio trabalhou mais ou menos um mês, e não se adaptando à cidade, pediu para voltar para o estado de origem. Como não era de interesse da administração atender o pedido do funcionário,  este, revoltadíssimo, discutiu seriamente com a chefia da época e pedindo demissão,  voltou arbitrariamente para Marechal Hermes, sua cidade de origem.
Uma semana depois do ocorrido, já desligado da firma, o D’Ambrósio resolveu ir pescar em Jacarepaguá. Infelizmente, nesta mesma pescaria aconteceu um triste acidente que  resultou na sua morte por afogamento.
A justiça naquele tempo era muito morosa e um processo nos moldes deste, levava um bom tempo para se resolver. E,  em função desta morosidade, certamente a família do D’Ambrósio iria passar sérias dificuldades.

Sabendo da morte  do ex-funcionário, Dr Othon mandou que a companhia pagasse o salário normalmente à viúva, até que o processo fosse definitivamente resolvido. E a família  então recebeu os vencimentos do José D’Ambrósio por quase cinco anos, ininterruptamente.




Homenagem desse seu humilde servo que o admira, e admirará sempre.